29/01/06

Volto para casa a pensar na mesma coisa

Volto para casa a pensar na mesma coisa.
Mas, vendo bem, a coisa até mudou.
Não necessariamente para melhor.
Ou melhor…
Para melhor, para melhor:
quando a coisa muda é sempre para melhor.
Ainda que

volte para casa a pensar na mesma coisa.
Ou noutra coisa que é a coisa, se mudou.
Independente, intrasigente, e ainda
completamente indiferente ao que eu quis,
ao que eu fiz e ao que eu sou.
Eu

já fiz de tudo para definir a coisa.
E, engraçado, a coisa é tudo o que eu não sou.
Não desespero mais, sei que esperando
de vez em quando se a coisa muda
é porque algo em mim também mudou.

Então, espera um pouco por mim.
Já foi maior a aflição.
Eu já estive mais perdido
só de olhar o mapa da palma da mão.

E agora em casa penso já numa outra coisa,
não nessa coisa em que a coisa se tornou.

E porque não ficar por aqui?

Ainda que pareça
as vozes não estão só na minha cabeça.
Ainda que careça de confirmação,
as vozes existem, e persistem,
e mastigam-me a atenção.

Ainda que o sinta,
dentro não é lado nenhum.
Embora me minta sem ver bem que o faço,
eu sinto sucesso no fracasso
que é ficar sentado em frente à televisão.

Embora acredite
que todos temos o que merecemos,
embora exercite a imaginação,
o limite do corpo é o porto
de onde nunca vejo sair o barco da paixão.

E porque não ficar por aqui?

27/01/06

Não, eu não sou um fantasma

Eu não morri — não, isso ninguém viu —,
então, que olhos são esses em mim?
Se estou aqui é porque ela pediu
e eu só podia dizer sim.

Não, eu não sou um fantasma;
eu estou cada vez mais vivo.
E é vivo que assombro os dias
de quem me quis inimigo.

Desde que aqui cheguei
um só sorriso me disse: podes ficar.
Agradeci, pois, que não é preciso —
pertenço a melhor lugar.

Eu sou só um morto-vivo,
vim aqui para me mostrar;
e assim ver se irrito os risos
de quem me quis enterrar.

Se eu não morri, se isso ninguém viu,
então, que olhos são esses em mim?
Desde que entrei nunca mais ninguém riu —
não me sabia tão forte assim.

Se era apenas um fantasma
longe do mundo dos vivos,
atravessando as paredes
sem saber que era caminho.

Agora tem cuidado
com o que esses olhos são,
decerto já viste muitos assim:
tiram mais do que aquilo que dão
e matam-te os sonhos sem compaixão.

E, se pedires a minha opinião,
dir-te-ei somente: toma atenção.
Porque senão…

Em Setembro de 2003 gravei com o Nico esta maqueta em casa dele. Os arranjos das canções, ao contrário do que sucedeu na primeira, foram feitos para serem tocados apenas por dois músicos (Nuno, Nico). A intenção era começar a apresentar as canções ao vivo, e foram escolhidas estas porque eram as que soavam melhor nesta formação. Guarda bem o teu tesouro era uma novidade em relação à primeira maqueta.
Pareceu-me boa ideia simplificar as coisas: combinar ensaios apenas com um músico, ensaiar num apartamento apenas com um músico, levar músicos e material para os concertos apenas num carro. E mais importante: musicalmente, para mim, era um desafio; e muito inspirador ouvir o que o Nico arranjava para as canções.
Com esta maqueta o meu amigo Jorge Guerra conseguiu marcar vários concertos em 2004. O primeiro foi em Santo Tirso no bar Carpe Diem, no dia 31 de Janeiro.

1. Não deixes de querer fugir
2. Nada é tão mau
3. Guarda bem o teu tesouro
4. Já é sábado

Todos os dias fossem estes foi o título da primeira maqueta que fiz do meu trabalho a solo, e achei logo que seria um bom título para um disco. Em Setembro de 2002, depois de um período de indecisão quanto ao meu futuro (acabou-se os Ornatos, e agora?), resolvi gravar algumas das canções que tinha escrito. Defini um horário de trabalho, meti mãos à obra e passadas duas semanas tinha gravado doze dessas canções. Com guitarra, baixo, teclados, e tudo o mais que uma canção que se preze tem direito.
Depois dessa primeira maqueta ainda gravei outra (Nuno, Nico, em Setembro de 2003), continuei a escrever canções e comecei a apresentá-las ao vivo no início de 2004. Estamos em Janeiro de 2006 e o disco ainda não saiu; percebe-se porque é que acho que Todos os dias fossem outros também é um bom título.

Todas as canções do disco foram tocadas por mim e pelo Nicolas Tricot que, para além de músico, foi também o técnico de som de serviço. A canção Alegremente cantando e rindo vamos contou ainda com a participação de um coro de amigos: Peixe, Cruz, Kinörm, Edu, Filipe, Ruca, André e Pepe, a quem aproveito para, mais uma vez, agradecer a força.

Depois de sucessivos adiamentos, a primeira sessão de gravações para disco decorreu em Junho de 2005 na Casa do Côvo, do Manel Cruz. A segunda sessão decorreu entre Agosto e Setembro no estúdio de casa do Alfredo Teixeira. No fim de cada sessão ainda foram feitas gravações adicionais, em casa do Nicolas Tricot e em minha casa. O disco foi misturado e masterizado, entre Novembro e Dezembro, pelo Nélson Carvalho no MB Estúdios.

Todos os dias fossem estes/outros

1. Não, eu não sou um fantasma (2:56)
2. Figuras tristes (2:34)
3. Hoje quem? (3:52)
4. Nada é tão mau (3:12)
5. Alegremente cantando e rindo vamos (3:14)
6. Pobre de mim (Assim também eu) (3:45)
7. Guarda bem o teu tesouro (4:20)
8. Esse não (3:21)
9. Já é sábado (3:06)
10. Já não me importo (3:43)
11. Nós não (3:25)
12. Já não dói (4:44)
13. Não deixes de querer fugir (3:28)
14. Vamos andando (Só temo pelos outros) (5:19)
15. Volto para casa a pensar na mesma coisa (3:25)
16. Porque sim (3:52)
17. E porque não ficar por aqui? (2:22)
18. Alice ri-se (3:37)
19. O homem invisível ainda acha possível (2:19)

A embalagem do meu primeiro disco a solo permite-lhe dois títulos: Todos os dias fossem estes e Todos os dias fossem outros. Enquanto o disco não é editado (o que deve acontecer em Abril, através da editora Turbina) e o meu sítio não fica pronto vou deixando aqui alguma informação.